Vi um cego tateando o livro em braille na antessala
da hemodiálise.
Vi um gesticulando o alfabeto (libras) dos surdos-mudos a um
pessoal que não entendia que estava sobre um campo
minado numa contagem regressiva.
Vi um paralítico atrofiado que queria ser jogador na Europa.
Vi um com mal de Parkinson coberto de carvão
no túnel da mineradora.
Vi um coxo, de outros males, esmolando no acostamento
da rápida rodovia em declive.
Vi um autista externando seu mundo interior no quarto escuro.
Vi um canceroso terminal na quimioterapia saudando à vida.
Voltei. Cheguei em casa.
Rasguei meu carnê de assistência funerária.
Descri na aposentadoria vendo-me um velho dependente.
Meu narcisismo morreu frente ao espelho.
Passei uma procuração à minha sorte.
Quis estar na Nasa num rabo de foguete de uma viagem
sem volta.
Sim, aceitei, a maior aberração natural era eu.
De tantas coisas que inda me restam a fazer, comecei
o primeiro parágrafo de um livro:
"Os saudáveis me encolerizam. São infelizes sem causa.
Vi centenas de milhares deles hoje.
Só me lembro de SETE e sê-los nunca quis."
Parei.
Pensei nos filhotes, desmamados num ato brusco, que
ainda não abriram os olhos e nem veem o que a vida
prediz. Podem ser os sete. Podem ser o resto.
Sou um cara melancólico.
Meu chorar é egoísta, pequeno em minhas pífias dificuldades.
Meu olhar submerso vai além da flor d´água.
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