quarta-feira, 1 de setembro de 2010

TUDO QUE É-ME DE MAIS VALIA



Mais vale a sombra do calabouço de um casebre
ermo, ao vento, do que a livre  fúria ao sol
de toda riqueza ao relento.

Mais vale o desvelo a amigos símplices, frutos do
experimento, do que postiços grã-finos no show da
vida,  pelas cadeiras da frente disputando assento pra
jogarem-se às sortes, sorrirem e fingirem ao fruto ázimo
do esquecimento.

Mais vale um final de prosa -- com a rosa branca lacrimosa
no mão inocente a vislumbrar um jardim após a queda
pungente -- do que buquês  multicores sem a fé ardente...
e tantas brotam cálidas no olhar falso que maltrata a gente...

Mais vale a graça de toda raça, mas, com tanta desgraça
rompe-me simplesmente a cotovia no desvão do telhado
a me insinuar: "liberte o pássaro que há em ti do enfado
enredo, é cedo, deixe-a gorjear livre somente, e, em toda
manhã terás o fruto futuro como semente; saia do marasmo,
cante, adira ao pleonasmo."

Mais vale tropeçar pelos caminhos do que voar sobre eles.

Mais vale sentir as dores de um amor perdido do que
ser esquecido como os espinhos das flores.

Mais vale o dissabor, o fel na boca, do que os licores
ofertados na festa senil dos mascarados.

Mais vale ser húmile, e ter um casebre ao vento,
ter um jardim pra cultivar...

Mais vale não se enganar com os  diabos do convento
em montagens frásicas sobre o sonhar estampado
na flâmula a tremular aos quatro ventos  pra demonstrar
os sentimentos pueris, livres no voo da cotovia num olhar
subjetivo, solitário, que o Vésper anuncia.

Nem todo ouro há de comprar o tesouro que guardo
filtrado dos lodos e engôdos pra ofertar a cordeiros
e lobos, a espertos e bobos, enfim, a todos.

Mais vale ser eu mesmo, do que querer ser o que não sou...
pra não ser o boneco no colo do ventríloquo, que um dia me
indagou sobre o que eu sentia, sobre os desejos das
marionetes numa dialética inesquecível.



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