quinta-feira, 29 de abril de 2010

Apenas um homem solidário

Apenas um homem solidário.

se caminhando por uma trilha deserta,
distante do espelho de minha solidão,
eu estivesse esfomeado e sedento,
com apenas dois pães na bolsa e
um copo d'água na vasilha, e
o inimigo me cercasse tão exausto
e sedento quanto eu -- eu jamais me
lembraria do mal que ele me fez:
um pão e meio copo d'água a ele eu daria.

se na mesma trilha, mais à frente, um
desconhecido ao relento, descamisado
na noite fria, me pedisse metade de meu
cobertor -- meu calor com ele dividiria.

pode ser que nenhum dos dois fizessem
isso por mim, mas eu os perdoaria,
entenderia

a crueza de quem se vê em imagem,
duas cópias, seres análogos a mim,
mas que não tiveram coragem
de, num ato, voltarem a ser gente.

e se como eu tão sós se sentissem,
pediria que me seguissem, mesmo
que, lá na frente da trilha inclemente,
metro a metro soubessem que manso
eu morreria sem fome, sem sede
na trilha de um olhar ao redor,
invisível e retro.

(1989)

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