quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Fuga em liberdade.

Fuga em liberdade.


Num ritmo alucinado tô carente, tô ilhado na avenida do Estado
em direção ao Brás. A noite é promissora no som desta emissora.
Olho para o banco do carona, meu livro "Quilombo dos Palmares"
permanece fechado. Preciso de um lugar pra pensar... rodar e
rodar sem destino.

Paro no semáforo. Negros e loiros fazem malabares: diversão e
arte por umas moedinhas. O painel luminoso aponta minha direção
com a frase: "Siga em frente, Mantenha a calma". Vislumbro
uma imagem publicitária no telão de alta definição: "Saia do
estresse. Hotel-Fazenda Remanso".

Lentamente pego um desvio. Chego a uma rua de vários
"inferninhos" sem estrelas, onde várias prostitutas e travestis me
acenam.

Não, eu não quero isso. Não sei se voltarei por esse caminho.
Preciso duma mulher. Rebusco na velha agenda todas que antes
descartara. Penso: 'até os caras do PCC são mais amados do
que eu.'

Sou mesmo um merda. Senti-me entremetido no rush como salsicha
no hot dog, rodando já agora na marginal do Tietê. Procuro pelas ruas
um amor impossível, inconquistável, descontaminado...

Estou viciado neste trajeto. Queria ser evangélico, mas não consigo
me perdoar nem seguir a doutrina. Invejo os seguidores. Preciso reagir...
ir ao viaduto do Chá, na 25 de Março... ou ir num anfiteatro sentir o
calor humano. Preciso pegar a Bandeirantes... parar pra abastecer em
Campinas. Lá em Leme retornar  à via Anhanguera. Passar por Ribeirão
Preto... entrar numa silente estrada escura de terra, apagar todos os
faróis, refletir:

"Que bom lugar pra fazer amor, se um eu tivesse. Que bom lugar pra
viver, se a vida não fosse enganosa. Que bom lugar pra morrer, se a
morte não tem hora nem lugar pra acontecer".

Chego ao meu destino depois de 6 horas de percurso. Acordo. Acendo
meu isqueiro. À frente vejo um casal de velhos maltrapilhos - deitados ao
relento, abraçados, longe de toda civilização possível. Valores... valores.
Qual o valor de um sentimento? Não sei. Sei que vejo um amor anárquico
em sua forma mais primitiva... dois cascas-grossas, acho, semianalfabetos.
Como eu gostaria de estar na pele deles.

O que se leva da vida? No meio da multidão sinto-me só; aqui, um simples
espectador de minha solidão.

E se, de repente, por alguém eu tivesse que continuar a viagem a pé nesta
estrada?... eu seguiria assim, assim, sem olhar pra trás... sem ficar
imaginando, a cada dia, uma fuga que não me leva a lugar nenhum de dentro
deste carro que não voa pras nuvens.

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